“Transtorno Dissociativo de identidade: Conhecido como dupla personalidade, popularmente, é uma condição mental na qual um único individuo demonstra características de duas ou mais personalidades ou identidades distintas, cada uma com sua maneira de perceber e interagir com os meios externos.”
- Não acho que seja esse o problema de seu filho. – Disse o Médico. – Temos conversado há seis meses e o menino não apresentou nenhum sintoma. Fizemos todos os exames possíveis e não encontramos nada. Ele parece ser completamente saudável.
- Doutor, estou lhe dizendo que meu filho assume personalidades distintas, sim! – Exaltou a mulher.
– Vez ou outra ele assusta os amigos com a forma de falar. Isso não é normal.
- Seu filho é uma criança extremamente criativa e educada. Não acredito que possa apresentar algum risco à senhora ou a qualquer outro.
Lucia Salter, professora e escritora, de trinta e seis anos, estava há dois anos visitando inúmeras clinicas e hospitais psiquiátricos devido ao comportamento suspeito que o filho vinha apresentando. Max, de onze anos, costumava ser uma criança animada e brincalhona, porem, em alguns momentos, se irritava ao ser chamado por seu nome e agia de forma agressiva. Vez ou outra Lucia era obrigada a largar suas aulas e ir buscar Max no colégio, por amedrontar as outras crianças. Desde a perda de seu marido, há cinco anos atrás, em um acidente de avião, Lucia cuida de seu filho com a ajuda de sua irmã, Claudia, que cuidava do menino pela manhã e o deixava na escola à tarde. Certo dia Lucia recebeu uma ligação do hospital, anunciando que sua irmã havia caído das escadas e estava internada. Quando chegou ao hospital, Claudia disse que havia sido empurrada por Max, e que não cuidaria mais do menino, pois estava com medo do que ele poderia ser capaz.
Max aguardava por sua mãe na sala de espera, enquanto sua mãe conversava à sós com o médico. Quando voltaram à sala, Max cantava, empolgado, sua musica favorita (Hey Soul Sister, da banda Norte Americana Train) enquanto pintava os desenhos de um caderno que havia sido deixado na mesa de centro da sala.
- Tio Guto! – Chamou o menino, enquanto se levantava com o caderno de pinturas. – Pintei alguns desenhos do caderno que o senhor deixou naquela mesa. Tem algum problema?
- Claro que não, Max. – O médico se abaixou e despenteou os cabelos do menino. – Posso ver o que fez?
O garoto passou o caderno para as mãos do medico, sorrindo empolgado, e puxou a mão de sua mãe para que ela chegasse mais perto para ver também. O médico analisou atentamente o desenho, olhou de Lucia para Max e sorriu.
- Que pintura incrível, Max! – Elogiou o medico. - O Jardim ficou majestosamente iluminado e colorido. Pelo visto gosta de cores.
- Só não usei o vermelho, Tio Guto. – Disse o menino, torcendo os lábios. – Não tinha lápis vermelho nas suas coisas.
- Que mancada a minha! Pode deixar, comprarei novos lápis e da próxima vez vai estar tudo completo.
Max se despediu do médico com um abraço apertado e seguiu sua mãe até o carro. Como andava apreensiva, Lucia preferia levar Max no banco do carona, onde poderia mantê-lo em observação. Max ligou o rádio, e colocou sua musica favorita para tocar.
A viagem seguia tranquila. Lucia dirigia confortável, enquanto Max cantava junto às musicas que tocavam no rádio, até que não se atentou a um quebra molas e passou por ele ainda em alta velocidade, o que resultou num balançar violento no carro. Quando olhou para Max para verificar se estava tudo bem, percebeu que o garoto segurava a testa com uma das mãos e a porta com a outra.
- Está tudo bem, filho?
Max não respondeu.
- Filho, você se machucou?
- Não, mamãe. – Sussurrou.
Em menos de vinte minutos, Lucia finalmente estacionou o carro frente a casa. Max, empolgado, saiu do carro e correu para casa, novamente cantarolando. Até quando o menino continuaria em seu bom estado de espirito? Ela não sabia, e isso deixava nervosa.
Quando entrou em casa, Max estava sentado no sofá assistindo TV. Ela foi até ele, bagunçou seus cabelos e ia em direção à cozinha quando seu filho se levantou, num pulo, correu até ela e a abraçou por trás. O menino estava crescendo muito rápido. Lucia tinha um metro e setenta e oito de altura e Max, com seus onze anos, já estava à altura de seu ombro. Mais alguns anos e o garoto estaria, com certeza, muitos centímetros mais alto que ela.
- Mamãe? – Sussurrou Max com o rosto pressionado em suas costas. – A senhora tem medo de mim?
- Claro que não filho. – Claro que tinha. – Você é um menino muito bonzinho, mamãe só quer cuidar de você.
O coração de Lucia saltava dentro do peito, ela já respirava com dificuldade. Ela estaria nervosa ou o menino estava começando a apertar o abraço? Não sabia. Sentia todo seu corpo vacilar, começando a tremer. Se o garoto notasse o nervosismo em sua voz, poderia deixa-lo chateado e, com isso, agressivo.
- Porque você mente tanto? – Perguntou Max a suas costas. – Você mente para mim o tempo todo.
Max havia sentido, havia notado a mudança em sua mãe e o nervosismo em sua voz. Quando se soltou de seus braços e virou para encara-lo, ele já não parecia mais o mesmo Max de minutos atrás. Seu rosto tinha um semblante sério, irritado. Sombrio.
- Filho, eu não minto para você. – Tentou deixar a voz o mais calmo e clara possível, mas sentia-se vibrando por dentro. – Só estou cuidando de você.
Max caminhou em direção à cozinha e Lucia o seguiu. Max parecia hipnotizado, tinha olhar vidrado, enquanto caminhava até o balcão no centro da cozinha. Quando os olhos de Max encontraram os de Lucia novamente um sorriso estampou o seu rosto. Um sorriso largo e brilhante, porém aquilo, de longe, seria alegria. Seu sorriso era perverso.
- Você é uma mentirosa. – Repetiu.
Em cima no balcão havia uma coleção de peças de porcelana decorativas, ultimo presente que Lucia havia recebido de seu falecido marido, pai de Max. Soltando uma grande gargalhada, Max puxou o suporte que segurava as porcelanas e todas caíram no chão, fazendo um barulho estrondoso com o quebrar das peças.
- Max!
Lucia correu para tirar o menino do meio dos cacos porem Max a empurrou para o lado e começou a gritar, fingindo estar chorando.
- Para com isso, mamãe! – gritou. – Eu não fiz por querer, para!
Max parecia se divertir com o nervosismo da mãe, de sua preocupação para que o garoto não se machucasse. Por trás da máscara do menino fingindo estar chorando, havia um sorriso brincalhão.
- Max, para com isso! – Lucia gritou, tentando se levantar, enquanto Max ainda gritando foi até uma das gavetas do armário.
- Mamãe, para com isso! SOCORRO! – Com o soquete, que retirou da gaveta, Max bateu no armário, gerando um som alto e roco do impacto contra a madeira. – SOCORRO! ALGUÉM! MAMÃE, POR FAVOR, PÁRA!
- MAX!
O garoto apoiou a mão sob o balcão e sorrio para a mãe. Seus olhos estavam completamente negros. Completamente.
- Pessoas mentirosas merecem ser castigadas, Mamãe. – Sussurrou o menino. – E você terá o seu castigo.
Com uma enorme gargalhada, Max bateu, com toda força, com o soquete em sua mão e urrou de dor. Olhou para a mãe e bateu de novo. E de novo. Lucia conseguiu se levantar antes que o menino batesse com o soquete em sua mão novamente. O garoto se adiantou e correu de volta para a sala. Lucia o seguiu e, antes que o alcança-se, viu o garoto se jogar no chão, de frente a porta, voltando a gritar por socorro.
- Max!
Lucia já não aguentava mais, estava desesperada. As lagrimas escorriam por seu rosto enquanto corria em direção ao garoto e, quando se aproximou garoto, Max bateu com o soquete no rosto uma, duas, três vezes. Gritando. Lucia puxou com força o soquete de sua mão.
- MAX, PÁRA! – Gritou.
- Eles chegaram. – Sussurrou.
Lucia não entendeu o que o filho quis dizer com aquilo, porém, enquanto se ajoelhava ao seu lado, percebeu que seus olhos estavam ficando claros novamente, voltando a sua tonalidade castanha.
– MAMÃE, POR FAVOR! SOCORRO! – Gritou a todo pulmão. – VOCÊ ESTÁ ME MACHUCANDO!
- PARA COM ISSO, MAX! – Gritou.
Lucia tentava segurar o garoto, que se debatia, quando dois homens arrombaram a porta, gritando para que se afastasse do garoto. Max gritava e chorava. Quando ouviu o estrondo da porta se quebrando, assustada, se virou. Para pedir ajuda a quem estava chegando mas, antes que pudesse dizer algo, Max a chutou, desequilibrando a mãe, que caiu sentada.
- ELA ESTÁ ME MACHUCANDO! – Gritou Max, chorando. – Foi sem querer ...
Max chorava, desesperadamente. Seu rosto estava inchado. Sangue escorria de sua testa, caindo sob um dos olhos.
Quando Lucia tentou se aproximar de Max, um dos homens a empurrou violentamente contra a parede. Lucia imediatamente sentiu uma enorme dor de cabeça e a visão ficando turva. Pelo canto do olho, viu o outro homem levantando com Max no colo.
- ME AJUDEM! MEU FILHO...
- CALA A BOCA SUA VADIA LOUCA! – Gritou o homem que a empurrou.
Viu o filho sendo levado para fora da casa. A sala escurecia, ela estava desmaiando. Havia uma sirene. Policia? Ambulância? Vozes começaram a se misturar ao som das sirenes. Então tudo sumiu ao seu redor.