CONTO: A OUTRA FACE - PARTE 2


- Pessoas mentirosas merecem ser castigadas, Mamãe.

  Quando acordou, Lucia estava em um corredor frio e pouco iluminado cujo final não era visível. A voz de seu filho ecoava pelo corredor, junto a gritos de dor de aperta-lhe o peito. Angustiada, Lucia começou a caminhar lentamente em direção ao final do corredor enquanto apalpava a parede a sua esquerda para se guiar.

  Os Gritos que preenchiam o corredor faziam Lucia se sobressaltar vez ou outra. Fazendo-a cambalear, distraída.  Com medo e com cada vez mais frio, Lucia tentava se acalmar soprando ar quente em suas mãos sujas, porém, o frio parecia não diminuir.
- Max? – Chamou. – Filho, você está ai?

  Tomada cada vez mais pela angustia e o medo, Lucia caiu de joelhos ao chão e desabou a chorar. Sua cabeça e costas doíam, mas precisava terminar continuar seguindo. Quando se levantou, apoiando a mão na parede, sentiu a superfície fria, porém, um frio diferente do que estava sentindo enquanto caminhava pelo corredor. Metal. O frio era de algo de metal.

- Grades? – Sussurrou para si mesma. – TEM ALGUÉM AI? – Gritou, pressionando seu rosto entre as grades. – ME AJUDA, POR FAVOR!

  Ao olhar ao redor, Lucia reparou que já não estava mais em um corredor, estava em uma sala estreita, de dois metros quadrados, aproximadamente. Lucia apertava os olhos para tentar ver através das grades, mas do outro lado havia apenas escuridão e silencio. Silencio. As vozes se silenciaram. Lucia voltou a gritar por socorro. Agora, aprisionada, Lucia não tinha mais o que fazer a não ser pedir por socorro. A onda de choro a tomou novamente.

- Por favor ... – Disse aos prantos. – Me ajudem.

- Para com isso, mamãe! Eu não fiz por querer, para!

  A voz de sue filho a assustou, fazendo com que se afastasse das grades e tampasse a boca com as mãos, prendendo o grito de medo. Uma luz se ascendeu do outro lado da grade. A claridade agrediu seus olhos, que haviam se adequado a escuridão na qual estava submetida, lhe colocando num estado de cegueira temporária.

  Quando seus olhos se ajustaram a claridade, Lucia se surpreendeu. Do outro lado da grade estava sua cozinha. Seu filho, Max, estava em meio a porcelanas quebradas, com o olhar assustado então, para sua surpresa, ela se viu na cozinha, de frente ao filho, com um soquete na mão.
- Max, para com isso! – Gritou.

  A Lucia que estava na cozinha tentou acertar o garoto com o soquete, errando, o soquete acertou o balcão onde antes estavam as porcelanas, causando um som alto e roco. Ao tentar se afastar, Max caiu de costas ao chão e gritou:

- Mamãe, para com isso! – O garoto tentou se levantar apoiando uma das mãos no balcão. Usando toda sua força, Lucia bateu com o soquete na mão do garoto, que voltou a gritar. – SOCORRO! SOCORRO! – Com as lagrimas escorrendo pelo rosto, Max gritava a todo pulmão enquanto tentava se afastar de sua mãe. – ALGUÉM! MAMÃE, POR FAVOR, PARA!

  Do outro lado da grade, assistindo a cena, paralisada, Lucia chorava enquanto via seu filho se arrastando pelo chão, tentando se afastar dela. Enquanto isso, na cozinha, Lucia gargalhava ao ver o filho se arrastando e pedindo por socorro.

- Você terá o seu castigo. – Disse, em meio às gargalhadas.

- PARA COM ISSO!  - Gritou de dentro da grade. – VOCÊ VAI MACHUAR ELE!

  De dentro da grade, Lucia tremia, chorava. Seu filho estava tentando fugir de uma sósia dela, uma cópia, que tentava machuca-lo. Por qual motivo?

  Na cozinha, Max conseguiu se levantar e correr em direção á sala. No impulso para pega-lo, Lucia pulou as porcelanas quebradas e foi atrás do garoto.

- MAX, PARA! – Gritou ao não alcança-lo.

  Vendo que o garoto não a obedeceria, ela lançou o soquete em sua direção. Acertando a cabeça do garoto, que caiu ao chão, entre a cozinha e a sala.

- DEIXA O MEU FILHO EM PAZ! – Lucia se apertava contra as grades, tentando alcançar algo, tentando, sem sucesso, mudar o cenário do outro lado. Enquanto, do outro lado, ela caminhava calmamente em direção a criança que, novamente, se arrastava, tentando fugir.

  A Lucia da cozinha pegou o soquete no chão, se aproximou da criança e o chutou para que se virasse. O garoto tentou se segurar em sua mãe, que o empurrou e o bateu com o soquete na cabeça.

- MAMÃE, POR FAVOR! – Gritou enquanto Lucia batia novamente com o soquete no menino, o acertando no rosto. - VOCÊ ESTÁ ME MACHUCANDO! – Gritou o garoto, ainda tentando se arrastar. – Lucia deferiu mais um golpe contra o garoto, dessa vez abrindo uma fenda em sua testa, lavando o rosto do menino em sangue.

- PARA COM ISSO, MAX! – Gritou Lucia, pisando forte na perna do garoto, que chorava desesperadamente.

- PARA DE FAZER ISSO COM MEU FILHO! – Gritou Lucia de dentro das grades.

  Dois homens invadiram a sala da casa. Max, ainda no chão, chutou a mãe com a perna livre, jogando-a no chão. Lucia se viu tentando se aproximar do garoto novamente, porém, um dos homens a jogou violentamente contra uma das paredes enquanto o outro correu até Max e o pegou no colo, levando-o para fora da casa.

- ME AJUDEM! MEU FILHO...

- CALA A BOCA, SUA VADIA LOUCA! – Gritou o homem, empurrando-a novamente contra a parede.

  De dentro da grade, Lucia tremia de angustia por tudo que presenciou. A cena do outro lado da grade se apagou, deixando-a novamente a mercê da escuridão. De joelhos, Lucia se segurava a grade e chorava. Se tudo fosse um sonho, era hora de acordar. Ao usar a mão para secar as lágrimas, Lucia sentiu algo cremoso.  Ao levantar as mãos de frente ao rosto, viu que suas mãos estavam sujas de sangue, assim como sua roupa.

  Quando se arrastou para o canto, tentando se afastar da grade, sentiu sua mão tocar algo ao chão. Lucia fechou os olhos, rezando para que não fosse o que sua mente dizia que era. Pegou o objeto, ainda de olhos fechados e o levantou de frente ao rosto. Ao abrir os olhos, se deparou com o soquete ensanguentado.

  Desesperada, Lucia jogou o soquete para o outro lado da grade e começou a gritar, desesperada. Não acreditava que tudo aquilo podia ser verdade, que havia violentado seu filho daquela forma, não podia ter sido. Enquanto gritava, Lucia viu tudo ao seu redor escurecer. Sentiu braços a envolvendo, e mãos tentando segura-la. Tentando se livrar, Lucia se contorcia e continuava a gritar.

  Quando tudo ao seu redor se iluminou novamente, Lucia estava em uma cela de cadeia, com dois homens tentando controla-la enquanto um médico tentava aplicar uma injeção em seu braço. Lucia se debatia, tentando se livrar dos guardas e fugir da direção da agulha.

  Lucia já perdia as forças quando, do lado de fora da cela, avistou seu filho de pé, com um sorriso sombrio estampado no rosto. Ele estava segurando a mão de uma outra criança. Quando olhou novamente viu que o menino, sentado no chão, vestia as mesmas roupas que seu filho, porém, não conseguiu ver seu rosto, já que o menino tentava esconder o rosto apoiando a cabeça nos joelhos. Lucia tentou dar impulso, ir mais em direção as crianças,  então, para sua surpresa, Max soltou a mão do menino e puxou seus cabelos, o obrigando a  levantar a cabeça.

  Quando viu o rosto da criança, gritou. A criança de cabeça baixa era, nada mais, nada menos, que seu próprio filho. Não o sósia sorridente que estava ali, de pé. Um Max assustado, com os olhos inchados de chorar e com o rosto sujo de sangue.

- Meu filho! – Gritou. – Alguém ajuda meu filho!

- Senhora, se acalme! – Gritou o enfermeiro que tentava aplicar a injeção. – Por favor.

- Por favor, me ajudem!  - Gritou. – Meu filho!

  O sósia, sorridente, piscou para Lucia e puxou Max do chão, machucado, que voltou a chorar enquanto se levantava. Lucia se sentiu completamente paralisada, não tinha mais forças para lutar contra os dois guardas. Então o sósia e seu filho ensanguentado desapareceram num piscar de olhos. Lucia sentiu seu corpo amolecer e seus sentidos se perderem. Até que tudo se apagou novamente.